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  • Jussara Santos

"E se eu ficar doente?"



Recentemente, a partir de um artigo** da antropóloga e professora Mirian* Goldenberg, descobri a expressão “geração sanduíche”. Essa expressão, de acordo com a pesquisadora, se aplica a mulheres que se sentem “espremidas, comprimidas, apertadas, esmagadas, imprensadas, pelas obrigações e responsabilidades de cuidarem de extremos.” Ainda segundo a pesquisa de Goldenberg, essas mulheres têm entre 40 e 70 anos e cuidam de todo mundo (pais idosos, cônjuges, filhos) e mostram também que essas mulheres têm cuidado até dos netos. Eu estendo esse cuidar a irmãos também. Durante a leitura, pensava no grau de exaustão ao qual nós mulheres somos submetidas cotidianamente. Afinal, se cuidamos de todos, quem nos cuida? Uma das participantes da pesquisa disse que está muita estressada, já que além das responsabilidades familiares, conjugais, ainda lida com o estresse do marido que, embora tenha pais debilitados, os mesmos são cuidados pela irmã dele. Esse marido – que já esteve casado antes - também não cuida diretamente dos filhos, uma vez que a responsabilidade maior recai sobre a ex-mulher. Não há aqui nenhuma falta de entendimento de que vivemos a e na sociedade do cansaço, mas é fato que à mulher cabe sempre o sal mais grosso. Já ouvi por aí: “ não quer ser igual homem, então...”, como se esse sal fosse triturado por eles e não por nós, na maioria das vezes.

A fala de uma das integrantes da pesquisa que mais me impressionou gira em torno da preocupação dela de ter algum problema de saúde em função da sobrecarga, já que além do trabalho, cuida de todo mundo. “E se eu ficar doente? E se eu morrer?” Na cabeça dela assombra a possibilidade de aqueles de quem cuida ficarem desamparados. Penso que é um risco que realmente corremos quando assumimos, por diversos motivos, cuidar de tudo e de todos menos de nós. Por isso, acredito que ela, de certa forma, já está doente, pois abraçar a todos menos a nós é uma forma, pra mim, de adoecimento também. Logo, proponho às mulheres “ensanduichadas” (termo utilizado pela pesquisadora) e uma delas pode ser eu ou pode ser você, em algum momento da vida, que se descuidem no sentido mais positivo da expressão.

Que esse descuido inclua não apenas os muito auto exames físicos, idas a médicos, mas também o auto exame mental. A reflexão sobre o que estamos fazendo com nossas vidas. Assim, amigue-se, ou seja, torne-se sua amiga, se ampare e caso perceba alguma amiga seguindo o mesmo caminho seu, amigue-se a ela. E nesse descuido inclua a certeza de que todo mundo encontra uma maneira de se virar. Portanto, no caso de sua ausência, adaptações serão feitas e, mesmo com dificuldade, a vida seguirá. Escrevendo aqui parece fácil, mais sei bem que não é. Porém, percebo que não tentar nos adoece mais ainda. Descuidemo-nos então.


Sou Jussara Santos e até o próximo artigo ou se preferir: “te vejo, quando te vir”.

* Mirian Goldenberg é antropóloga e professora da UFRJ. Escreveu “A invenção de uma Bela Velhice”

** 12/10/2023 – Folha de São Paulo


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