A jovem escritora mineira é natural de Belo Horizonte e professora graduada em Letras pela UFMG. Faz questão de dizer que é virginiana, solteira, que não tem filhos e conta com o amor e o carinho das três irmãs, Iara, Jupira e Juraciara. Já publicou três livros: De flores artificiais, em 2000, Com afago e margaridas, em 2006 – ambos de contos – e Indira, uma novela infantojuvenil, em 2009.
Em 2005, junto com três poetas, ganhou o Prêmio BDMG-Cultural de Literatura, o que resultou no livro Minas em mim, outra publicação da escritora. Jussara diz que não tem um livro e nem um texto preferido. “Seria maldade com meus personagens escolher um. Talvez a empolgação maior fique sempre com aquele novo texto que está para nascer”, ressalta a escritora.
Desde criança ela adora inventar e contar histórias. Na escola, já escrevia uma coisa ou outra, mas foi na adolescência, quando escreveu seu primeiro poema, que começou a levar a sério a sua escrita. Sempre leu muito, o que contribuiu e contribui para publicar as suas lindas histórias. Em Com afagos e margaridas, um livro que traz dois contos – “De barriga” e “Com afagos e margaridas” —, Jussara revela o olhar assustado de uma criança curiosa por meio de histórias que povoam e incitam a imaginação das crianças. Tia Barriga e Matias, os protagonistas dos contos, respectivamente, vão expor uma realidade dura vivida por mulheres de famílias humildes.
A escritora faz essas revelações de tal maneira lúdica e subliminar que, mesmo denunciando maus tratos, não é capaz de deixar o seu leitor atordoado, mas indignado. Porém, a denúncia é explicitada, e ficam registradas as marcas da violência contra as mulheres. Seus textos são baseados nas relações humanas e nos sentimentos que as alimentam, como o amor, o ódio, as amarguras, as tristezas, as alegrias e todos os sentimentos expressos pelos seres humanos em seu dia a dia. No conto “De barriga”, Jussara relata as consequências e os traumas da personagem depois que foi abandonada pelo noivo.
Um dia, porém, tia Barriga sumiu. Eu e minha mãe entramos em casa e ela não estava lá. Procuramos em seu quarto a falta de algum objeto. Ela tinha muito pouco e desse pouco tudo estava no lugar. Indagamos toda a vizinhança e ninguém sabia dela. A noite chegou e nada. Minha mãe em desespero se culpava por haver saído, deixando-a sozinha. Para onde ela teria ido? Os dias e as noites foram passando e nenhuma notícia de minha tia.
Já no conto “Com afagos e margaridas”, a morte da mulher de Matias é revelada com a intervenção de uma médium, dona Arminda, que incorpora o espírito dela. Dona Arminda fala como se fosse a própria mulher de Matias e, em detalhes, vai contando como se sentiu antes de morrer, e provoca o marido a dizer a verdade sobre como havia feito para matá-la. E é nesse universo que Jussara põe em cena seus personagens, com suas angústias, seus dramas e a vivência do preconceito que se sente, literalmente, na pele.
Desde que apareci grávida as coisas entre meu pai e Matias desandaram, com a morte da criança então... Qualquer tentativa de conversa acabava em briga. Matias achava que meu pai rogou praga por termos feito filho antes de casar. ‘A criança não vingou, mas seu pai sim’, ele dizia. Eu também fiquei diferente, conversava pouco, emagreci, ou melhor, sequei. O silêncio entre Matias e eu era tão profundo que parecia retumbar nas paredes da casa. Nunca mais ele me procurou como na noite de nosso noivado. Com o passar do tempo, as procuras ficaram cada vez mais raras até... Seca, sem forças, continuei cuidando da casa e de Matias, apesar da distância. Meu pai até quis me levar embora, mas casamento é casamento, jurei fidelidade, compromisso até que a morte nos separasse. E foi desse jeito mesmo.
Na novela Indira (2009), por exemplo, o texto é escrito num estilo bem coloquial, porém delicadamente poético, e esta é mais indicada e dedicada ao universo infantojuvenil. Em sete capítulos, conta a história e a amizade de um garoto chamado Washington por uma menina de nome Indira. Nome de que ela não gostava muito, e por isso sempre procurava saber os reais motivos que levaram seus pais a escolhê-lo. Essa amizade vai se transformando, aos poucos, em um primeiro e inocente amor. No caso da escrita de Jussara, nesta novela, as raízes afro ficam marcadas apenas pela cor da pele dos personagens e pelo corte de cabelo do jovem Washington. Dessa maneira, tão natural, adolescentes negros que leem o livro se identificam com ele, não só pela história, mas também pela cor da pele dos personagens.
Os cabelos de Washington são bonitos e crespos e o pai dele, quando leva-o ao barbeiro, pede para Seu Juca fazer um corte diferente, bater a nuca, fazer uns desenhos que homenageiem suas raízes africanas. O Washington adora esses desenhos na nuca, ele diz que marcam sua diferença e agora vejo que ele é mesmo diferente.
O nome Indira, que a personagem tanto questiona desde o início da novela, foi então pesquisado pelo seu amigo Washington. E, ao final da história, quando parte para o interior com seus avós, o garoto deixa um envelope para a Indira, contendo um chaveiro e uma carta, onde declarava seu amor por ela e o que ele havia descoberto a respeito de seu nome: “Soube que a Indira famosa foi a primeira mulher chefe de governo de um país da Ásia chamado Índia.” No final da pesquisa havia um mapa com a localização do país e de sua capital.
Segundo a própria escritora, o livro tem como objetivo fazer com que o jovem adolescente pense a sua própria identidade, como ele nasceu e por que seus pais lhe deram aquele nome. Indira foi adotado por várias escolas de Belo Horizonte, Contagem, Betim e Rio de Janeiro. Jussara Santos tem olhar de menina, criatividade de uma adolescente e escrita de mulher madura que sabe lidar com as letras, envolver de mansinho e encantar seus leitores, ávidos por uma história que, ao mesmo tempo, é singela, cotidiana e quase um post para denúncias de preconceitos. Essa difícil arte da simplicidade na escrita torna-se a principal marca de seus textos, seus contos, sua poética. Assim como é a marca da própria escritora.
Referências
SANTOS, Jussara. Com afago e margaridas. Belo Horizonte: Quarto Setor Editorial, 2006 (Coleção Antidesejo).
SANTOS, Jussara. Depoimento concedido a Fátima Peres. Belo Horizonte, abr. 2012.
SANTOS, Jussara. Negros são personagens principais de Indira. Belo Horizonte: TV Conecta BH, 2012. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Zo7z4ln1XnI>. Acesso em: 15 maio 2012.
SANTOS, Jussara. Indira. Belo Horizonte: Nandyala, 2009.
Jornalista pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Mestre e Licenciada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC-Minas
1 SANTOS, Jussara. Depoimento concedido a Fátima Peres em abril de 2012.
SANTOS. De barriga, p. 7
2 SANTOS. De barriga, p. 7.
4 SANTOS. Indira, p. 15
5 SANTOS. Indira, p. 28.
6 SANTOS. Negros são personagens principais de Indira