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Jussara Santos

"Não penetrou, não estuprou"


Recentemente, assisti a um episódio da série norte-americana Law and order svu, no qual a personagem sofreu violência sexual, abordagem principal dessa série. Após assistir ao episódio, me perguntei várias coisas que, para que você leitor, leitora entenda melhor, vou resumir a história aqui. Sinto mais vai rolar spoiler.

Três amigas saem pra divertir, curtir a noite, livres, somente elas, feito a gente faz com as primas, as amigas do coração, aquelas saídas sem um cara regulando, porque, infelizmente, muitos adoram fazer isso. No final da noite, ela bem embriagada, feito muitos caras fazem, chama um carro por aplicativo e vai embora sozinha. Lá pelas tantas, ela acorda ainda dentro carro e tem um cara ao lado dela, ela não entende e ele rapidamente explica que ela pegou uma corrida compartilhada. Ele pergunta: “você tá bêbada?”, ela apaga outra vez. Ao acordar pela manhã, ela se vê completamente devastada, machucada, agredida e sozinha, principalmente sozinha, busca ajuda na delegacia especializada nesse tipo de crime e aí o episódio se desenrola. Ficamos sabendo, então, que ela foi agredida por três homens: o que menciona a corrida compartilhada e dois amigos que ele chamou pelo celular. Um deles definiu o lugar onde ela seria violentada.

Conto essa história porque o episódio foi/é bem pesado, mas possibilita algumas reflexões. Começo pelo motorista de aplicativo que disse, quando foi preso, que ele não estuprou a moça uma vez que ele não tocou nela. Ele a levou para o local, esperou a violência acontecer e a devolveu para o endereço dela, logo ele conclui que não a violentou. Pra mim, isso foi o mais gritante, observem a noção de violência, retratada pela personagem. A pergunta é: violentamos alguém somente quando batemos nela? É um filme, mas a postura conivente do motorista aponta que entre homens existem acordos tácitos e nada abala esses acordos. Ele participou do estupro, ele ouviu o combinado e não fez nada pra salvar a moça, portanto a estuprou também.

Depois que assisti a esse episódio, assisti ao do jogador brasileiro que disse que não estuprou uma moça porque fez sexo oral, ou seja, estava no grupo, participou do ato, aceitou, permitiu, foi conivente, mas “não penetrou, não estuprou”. Agora temos a tese do “estupro culposo”, brevemente terá o doloso e acharão normal, porque “mulheres de bem”, não enchem a cara com as amigas, “mulheres de bem” não usam saia curta, shortinho, blusa mostrando os peitos, mulher que faz isso quer outra coisa. Não é essa a imagem perpetuada sobre nós? O Brasil durante muito tempo se construiu turisticamente nos expondo, exibindo nossos corpos em panfletos, feito carne e isso mudou muito pouco.

Voltando ao episódio, reflito sobre as amigas que alegando que a protagonista era complicada, tinha um gênio difícil, deixaram que ela fosse embora sozinha. Creio que já passa da hora de cuidarmos umas das outras, parece discurso piegas, mas não é. Mundialmente, por ocuparmos cada vez mais espaços que muitos acreditam que não podemos ocupar, a revolta contra nossos pensamentos, nossas ações, nossas posturas e corpos se agiganta, então sim, temos de cuidar umas das outras. Estupro é crime, não podemos perdoar quem invade nosso corpo, corpo é casa e ninguém entra na nossa casa sem autorização, se isso acontece, denunciamos e exigimos reparação. Ao menos no episódio houve prisões.

Para finalizar, destaco mais uma vez a Solidão. Vejam leitoras, leitores, a moça foi deixada sozinha pelas amigas, ela tinha um namorado do qual ela tentou esconder tudo pra não ficar sem ele, ou seja, sozinha. Em casos de violência doméstica, estupro, o que ronda a pessoa violentada é a solidão porque, na maioria das vezes, imperam a vergonha e a culpa não justificáveis que isolam a violada, o violado. Então, não nos deixemos sozinhas, não façamos do segurar a mão da outra mero slogan, cuidemos de nós, caso contrário, a idade média nos engolirá, já que as burcas seguem, o casamento de crianças com homens adultos segue, a convivência imposta com o violador segue em várias localidades do planeta e isso é muito grave.

Nós mulheres temos direito à diversão, podemos beber o tanto que quisermos, vestir da maneira que preferirmos sem sermos atacadas por conta disso, porém muitos homens consideram essas ações como atos de rebeldia, de saída de lugares já impostos a nós, por isso nos violentam e nos culpam depois.

Mas, como bem disse a escritora e ativista Audre Lorde "eu não sou livre enquanto alguma mulher não o for, mesmo quando as correntes dela forem muito diferentes das minhas", portanto sejamos livres então, sejamos livres.

Sou Jussara Santos e até o próximo texto.

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