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Jussara Santos

Felicidade às vezes não dura nem meia hora de um dia.



 

          O que você pensou quando grávida? Eu, quando soube, senti que nada mais importava neste caos, que aprendi a chamar de mundo. Não ligava se gestava ali um menino ou uma menina, o mais importante é que fosse feliz. Nesta balbúrdia, alcançar a felicidade, nem que por meia hora de um dia, já era  privilégio.

          Mas naquela tarde, lá no supermercado, o senti. Sim, eu pari feliz um menino que se mexia de novo dentro de minha barriga. Nem sei como isso era possível, ele já estava grande. “Um rapaz, quase um homem” - a avó vivia dizendo - como ele poderia estar se revirando, revolvendo meu útero?

          No supermercado, nos separamos, dividimos a lista de compras e cada um foi pra um lado. Tudo desmoronou, quando parei em frente à prateleira dos doces. Eu o surpreenderia com o que ele mais gosta. É caro, geralmente fica pra ocasiões especiais, feito A fantástica fábrica de chocolate.

-Vai comprar? Ela perguntou

-Tô pensando, é presente de aniversário. Respondi sem abaixar a máscara.

- Olha, cuidado com suas coisas, viu?

- Por que?

- Ah, aqui tem uns garotos que roubam, olha, me desculpa, você é negra, mas, você sabe...

 - Não, eu não sei – um nó cresceu na garganta.

- Olha, tá vendo aquele menino ali, finge que compra, só pra depois levar o que é nosso. Disse já com a máscara no queixo.

          “Nosso, levar o que é nosso”. Enquanto ela dizia aquilo, apontava pro meu filho, o meu filho que se revolvia dentro da minha barriga. Meus olhos, pura umidade do dia em ele nascera, viam a mulher sumir entre sabões em pó, panos, vassouras, rodos. Eu? Eu só queria um pouco de gasolina. Em vertigem, segurei tão forte a lateral da prateleira que o ferro cortou minha mão. Meu sangue escorria, eu escorria. Tombei chamando baixinho - filho, filho, gente juntando, aparei minha barriga, minha bolsa estourada, era tanta contração, que nem respirar ritmado resolveu.

          Ele, sim, eu tive um menino, não entendia nada. Larguei a lista, larguei as compras, segurei com força a mão do meu filho, sim eu tive um filho. Saí do supermercado sob olhares incompreendidos. Saí porque precisava respirar. Porém, lá fora era tanta fumaça, tanto grito, era uma mistura de cinza e vermelho. Tinha muito vermelho e o cheiro nauseante de fumaça.

        Vi seis contra um, eu tinha de respirar, senti um joelho no meu pescoço. Gritos, muitos gritos, meu filho, acho que soltei a mão do meu filho. Tiros também ouvi, parei de contar quando chegou nos oitenta.

          De repente, alguém chegou e me ofertou um coquetel, logo pra mim que não era chegada a coquetéis. Os olhos úmidos de uma moça lembraram os meus no dia em que pari.

          Agora, já fora do meu ventre, meu filho era uma mistura de cinza e vermelho. Acendemos, cada qual seu pavio. Justo ele que amava chocolate, justo ele que fazia aniversário naquele dia.

          Ah, como eu queria o voo mágico do Sr. Willy Wonka. Já imaginou filho, a gente lá em cima vendo a cidade incendiada? Felicidade às vezes não dura nem meia hora de um dia.

          - Lança! Alguém gritou.

           

 

 


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